sexta-feira, 30 de junho de 2017

Textos Publicados 2017 - 41 (N.º 507 - Ano IV)


Foto: Imagens do Google.

A Saga de Dom Cutelo, o Filósofo



Parte I: O NEGÓCIO DA MOÇA



Há alguns anos, havia uma categoria de trabalhador nas fazendas daqui das Gerais, intitulada de Bobo de Fazenda. Normalmente tratava-se de homem com alguma deficiência ou solteirão que morava nas fazendas e fazia os trabalhos que os donos achavam-se muito “qualificados” para fazê-los ou que pensavam tratar-se de rotina desimportante, para as quais não compensasse pagar um diarista. O Bobo geralmente não era remunerado pelos seus trabalhos ou, quando remunerado, era bem abaixo do valor correto e justo. Alguma semelhança com a vida atual?

Toda Fazenda que se prezasse tinha por obrigação de ter o seu Bobo, algumas, até mais de um. Faziam gaiolas, alçapões, arapucas, balaios; cuidava das galinhas poedeiras e chocadeiras, alimentava porcos e cachorros; pegava cavalos, varria terreiros e fornos; carregava água, lavava vasilhas, acendia fogo; e, o mais importante, serviam de companhia para as donas de casa, as moças e as crianças em geral. Muitos eram maltratados, apanhavam, sofriam castigos e toda sorte de malvadezas dos fazendeiros, seus filhos e lacaios. Mas criavam uma certa identidade com a Fazenda, muitos deles sendo capazes até de morrer pelas causas do local e de seus donos.

Na Fazenda do avô da Duxa, moça donzela, amante da cachaça e da boa prosa, o Bobo era Cutelo. Dom Cutelo, o Filósofo, para ser mais exato e fazer justiça às peripécias do rapaz. Alto e magro, parecendo um caniço, cabeça pequenina e coração enorme, dado a bebedeiras e bravatas, arrotava valentia, sem contudo, fazer mal nem sequer a uma mosca ou formiga. Era inofensivo e fiel como um cãozinho de madame.

Certa feita, numa roda de truco e cachaçada, a moça donzela Duxa, contou-nos esta história do filósofo:

Lá pelo tempo do onça, quando era permitido aos candidatos fazerem festas regadas a chope, churrasco e forró, as campanhas políticas lá na roça eram animadas. Vinha gente da cidade, principalmente as FULANetes (que eram moças desfrutáveis que aderiam a um ou outro candidato) e, literalmente, o pau quebrava. Se não quebrasse, pelo menos vergava.

Bão, numa destas tais, o amigo Cutelo, deu de mão numa das “desfrutáveis”, loiríssima, vestida sumariamente e de trejeitos duvidosos. Mas para o filósofo era o céu. Chamou pra sofrer uma peça, ela foi. Deu “imbigada”, ela correspondeu. Chamou pra tomar uma “celveja”, ela foi. E, de repente, foi...

Meia hora depois, o povo se alvoroça e alguém grita:

− Acuda gente quiu Cutelo descangota a moça.

Corro para ver o que era e encontro o nosso filósofo de socos e pontapés na loura. Puxo o amigo de lado e "passo o pito":

− Quêquéisso, Dom Cutelo? O senhor então bate em mulher agora? Desafasta! Toma tento!

No que o Filósofo, bufando de raiva, mas já na unha do povo, desabafa:

− I num é pra mode batê, Dona Duxa? I num é? Magina a sinhora quieu tô cum ela lá no Beco do Binidito, de boa intenção, namorano filme, pensano inté pidi casamento. Cunversa vai, cunversa vem, passamão no cangotim dela e ela dexa. Passamão na barriguinha dela e ela dexa. Aí, já viu, né? Fiquei intusiasmado, quereno pruquê quereno. Quandeu levo a mão lá... Creeeeeeeeemdospade!!! Mari valeme!!! As coisa dela é maió que as minha, Dona Duxa!  É maió quias minha!

E arrematou, dona Duxa:

−Tadim, gente! Ô dó!


Conto publicado no blog VOZES DA IMAGINAÇÃO – em 26/6/17

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